quinta-feira, 11 de outubro de 2007

INCLUSÃO: A GERAÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA




A frase do epigrafe, ouvida numa reunião do Grupo Ponte da Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida, aberta a quem interessar posa, mas especialmente aos professores, coordenadores e diretores das escolas em que estão sendo incluídas as crianças da instituição, permite tomá-la como uma metáfora da proposta de inclusão que o Ponte propõe que é a da escola atravessada[1] pela psicanálise, atravessamento que promove a circulação do discurso. Sabemos que este arejamento não ocorre sem angústia. Angústia que sem dúvida vivenciamos nessas reuniões abertas.
Fazendo um pequeno desvio a fim de nos situarmos convenientemente lembramos que a finalidade da inclusão é a de que pessoas com necessidades especiais busquem seu desenvolvimento para poder exercer sua cidadania. Segundo SASSAKI (1997, p. 43)[2], o pré-requisito para alcançar este objetivo é a modificação da sociedade.
Escutar os docentes que participam das reuniões abertas permite constatar que o pré-requisito estabelecido por Sassaki não está sendo levado em conta. O que escutamos, nessas reuniões, não é só a demanda por métodos e técnicas para ensinar as crianças com severos distúrbios no desenvolvimento. Os docentes colocam seu temor, diante do sistema educacional e social, de serem cobrados e avaliados como incompetentes ao não conseguir atingir o objetivo de alfabetizar essas crianças.
A angústia de não saber como agir com estes alunos leva aos membros da escola a solicitar métodos, técnicas e à solicitação de laudos como forma, pensamos, de tamponar a angústia que a inclusão de crianças com sérios distúrbios de desenvolvimento provoca.
Em relação ao laudo, LAJONQUIÈRE (2002), diz que o mesmo é uma informação sempre insuficiente que nada diz da singularidade[3] do acontecimento e, também, nada diz, ao professor, do que fazer na sala de aula.
Embora o autor está referindo-se à solicitação, por parte dos docentes, de uma avaliação psicopedagógica diante de atos de indisciplina ou de dificuldades de aprendizagem, consideramos que a solicitação de laudos, nos casos de inclusão, a questão é da mesma ordem, ele pode vir a acalmar, temporariamente a angústia, o autor citado fala de tranqüilidade moral, mas de nada adianta quanto à ação do professor ou do coordenador pedagógico. Pensamos que além de sua insuficiência o mesmo pode ser usado para “carimbar” as crianças e assim poder justificar o fracasso das mesmas, forma “clássica”, poderíamos dizer, de aborto do ato educativo já que o professor e a escola, como um todo, podem considerar-se liberados da responsabilidade de educar estas crianças amparados no diagnóstico.
LAJONQUIÈRE (2002; P.60)
Desta forma, a pretensão de, principalmente alguns orientadores pedagógicos, de vir a “saber”, graças à recepção de um laudo, sobre a singularidade subjetiva do agir de um aluno, por um lado, está fadada ao fracasso uma vez que apenas a criança poderia, chegado o caso, valer-se “utilmente” de “seu” saber para produzir, e, por outro, acaba contribuindo para a psicologização do cotidiano escolar.
O que os participantes da reunião escutam dos membros do Ponte em relação a demanda de métodos, técnicas e laudos é de outra ordem. A medida em que vão sendo colocadas as dificuldades as intervenções vão na direção da desconstrução da certeza da necessidade de novos métodos, técnicas e laudos. Assim os educadores vão reconhecendo que o conhecimento pedagógico que os orienta não responde diante dos casos de inclusão. O saber pedagógico que eles tem como saber completo é falhado. Se tomarmos a pedagogia como o grande Outro daeducação, este diante da inclusão mostra-se barrado, não responde para ensinar as crianças com DGD. Em outras palavras poderíamos dizer que a inclusão produz a castração da pedagogia.
É com a castração de seu objeto de conhecimento que os educadores tem que se haver obrigando-os a buscar em outro “lugar” os subsídios necessários para educar estas crianças. FILLOUX (1996), se refere ao professor ter que fazer um retorno sobre si mesmo. Lajonquière fala do desdobramento da diferença dizendo que o professor deve indagar-se sobre si mesmo como a única forma de reconciliação com a criança que ele foi e sobre o que a criança, que tem frente a ele representa no seu inconsciente. Dito de uma outra forma, a ação do professor advirá a partir de seu desejo, de ser um sujeito desejante, o que permitirá reconhecer em cada criança o sujeito desejante que há nela.
KUPFFER (2001), nos diz que o educador levando em conta que em seu aluno há um sujeito desejante, feito de marcas e inscrições originárias pode renunciar à sua preocupação não só com o método, a técnica e o conteúdo programático como, também, poderá abandonar às técnicas de adaptação, já que poderá aceitar que a aprendizagem não está predeterminada.
Saber de tudo isso não fornece ao educador uma técnica de trabalho, más, é certamente um norte que, estando no horizonte do professor, modificará sua relação com seu aluno (p. 126).
Os depoimentos que escutamos, dos professores que estão participando do processo de inclusão, há algum tempo, denotam esta mudança de posição dos mesmos como um exemplo, apresentamos aqui a fala de uma professora sobre um aluno que está com ela desde o ano passado: “não sei qual é a patologia, mas faz duas semanas que mudou seu comportamento para comigo, ele me atendia, aceitava o que eu lhe propunha, era muito apegado a mim; agora está rebelde, entende tudo o que falo, quando lhe digo que o que está fazendo não é assim responde: “Que saco”. Porque mudou? Lhe é colocada uma questão: “O que você acha?” Ela diz: “Ele adora a outra educadora, más não sei se gosta mais de mim, vou ter que mudar com ele, não sei se vai suportar minha mudança”. Após considerações feitas por alguns dos participantes a professora diz que na realidade a dificuldade é dela aceitar que a criança está no tempo de fazer novas escolhas e dirigir seu interesse e estabelecimento de um novo laço com outra educadora e diz: “Sou eu que não consigo aceitar as mudanças dele”..
Escutas de esta ordem confirmar o que diz KUPFFER (2001), sobre o momento em que os educadores começam a despreocupar-se com os métodos e técnicas e aceitar que a aprendizagem não é predeterminada que cada criança tem seu próprio estilo de relacionar-se com seu objeto de conhecimento.
Foram estes tipos de depoimentos que me possibilitaram enunciar a questão de que a inclusão, como o Ponte a propõe, parece estar gerando um novo paradigma[4] para a educação.
Para pensarmos se realmente trata-se da geração de um novo paradigma propomos pensar no que podemos conceber como o atual paradigma da educação. Para isto vamos nos reportar ao que ocorreu a partir dos anos 70 em que se produziu o denominado atrelamento da psicologia à educação e que M. Mannoni (1973) denominou de virada psicológica cientificista da pedagogia moderna, afirmando que a mesma impossibilitava a priori a ocorrência de efeitos educativos subjetivantes. Segundo Lajonquière (1999) este atrelamento não é sem conseqüências :
1- A psicopedagogia passou a preocupa-se por complementar o que se supõe está na criança em estado virginal dando a dose certa;
2- Se produz uma inversão temporal a partir da qual a educação está tencionada pelo futuro ao invés de estar tencionada pelo passado;
3- O adulto, seja ele pai ou educador está tomado por um sentimento de vergonha e medo de errar junto à criança.

O autor refere-se, também, à inversão do eixo educativo que visa o usufruto narcísico como produto deste atrelamento. Kupffer (2004)referindo-se a esta inversão diz que o professor, quando está dando aula pensando nos alunos que o estão ouvindo e o que os mesmos estarão pensando dele, se estão ou não gostando da forma de dar aula, mostra que estamos diante de uma demanda de amor do professor, demanda de ser reconhecido, sem dúvida trata-se da instalação de uma relação amorosa conseqüentemente alienante, narcísica e imaginária.Desta forma, nos diz Kupffer, não há aprendizagem já que, o aluno tem a mesma demanda, ficando ambos alienados numa relação especular e narcísica. “Este parece ser o ideal da escola atual que centra a possibilidade de aprendizagem na relação de amor”
Lajonquière, no texto acima citado, refere-se a outras duas conseqüências do atrelamento:
a) A demissão do adulto da posição de educador
“(...) em lugar de invocar o impossível de um sonho – como diria Rubem Alves – ou de um desejo, resigna-se a “tocar” a educação do “possível psicológico.” (p.33)
Entendemos que o autor está falando da afirmação que a pedagogia moderna faz de que toda intervenção junto á criança tem que estar justificada para não produzir efeitos frustrantes evitando que a mesma fique traumatizada.
(...) os saberes (psico)pedagógicos implicam em uma certeza natural do agir humano. (..). Assim, tudo o que se faz tem que estar plenamente justificado, ou seja, deve estar deduzido como possibilidade a partir de uma realidade para além do próprio ato educativo. (p35)
A certeza de como atuar diante da criança advém de um saber psicológico, mas este saber, encontrado nos manuais, não traz a marca da arbitrariedade. Desta forma o professor que assim atua não o faz em nome do desejo e sim em nome do conhecimento adquirido nos manuais; isto tem como efeito a sua não implicação provocando o aborto do ato educativo.
b) A ilusão (psico)pedagógica da adequação natural. Esta ilusão faz com que as teorias do desenvolvimento infantil passaram a ocupar o lugar central quando se trata de ensinar as crianças. A adequação natural propõe complementar com sua ação, como já vimos, o que considera estar na criança em estado virginal, sempre que se acerte com a dose certa. Assim o êxito ou o fracasso escolar está na relação entre a intervenção adequada e o estado psico-maturacional da criança. Disto depende o êxito ou o fracasso escolar.
Pensamos que estas considerações permitiram detectar ao menos alguns dos elementos que compõem o paradigma atual da educação, a partir do atrelamento da pedagogia à psicologia que como vimos teve várias conseqüências que implicaram na insenção do professor do ato educativo não se comprometendo com sua palavra já que pelo ideal psicopedagógico sua preocupação está em seguir a risca o que os manuais estabelecem esquecendo e até apagando neles seu sujeito desejante. O seguir e tentar ajustar sua ação aos mesmos implica, também, em não dar espaço à diferença entre os resultados obtidos e os esperados já que para eles a aprendizagem é predeterminada. Desta forma o professor, nos diz Lajonquière, se demite de sua posição de educador.
Lajonquière referindo-se á impossibilidade à que FREUD (1937), se referiu, impossibilidade presente em todo ato, seja educar, governar ou analisar, nos diz que a diferença entre o obtido e o esperado permite o desdobramento do laço discursivo possibilitando, pensamos, a saída da aposta do discurso (psico)pedagógico hegemônico que responde á ilusão psicopedagógica da adequação natural.
Um outro elemento que podemos pensar presente neste paradigma é a certeza da que nos fala Lajonquière. Ter certeza implica em não dar especo para a dúvida o questionamento e para o arbitrário, uma outra forma do professor “anular” sua ação deixando suspenso seu desejo.
Mas um elemento é a relação professor-aluno que como vimos é da ordem do amor, ambos demandam ser amados ficando alienados numa relação especular e narcísica. Este tipo de relação coloca em questão a possibilidade da aprendizagem na medida em que se trata de uma relação dual na qual parece não haver especo para a entrada de um terceiro que, nos diz Kupffer[6], é o objeto de saber do professor
Vimos acima os efeitos que a inclusão atravessada pela psicanálise produz e assim pensar na geração de um novo paradigma estruturado a partir de uma pedagogia barrada, permitindo que o professor tenha que buscar em outro “lugar” uma forma de ação que produza efeitos na criança e que só saberá disto no depois, desaparecendo a certeza de sua ação descobrindo que é na incerteza que vai operar, aprendendo a lidar com a diferença e assim descobrir que a aprendizagem não é predeterminada e que cada criança tem seu estilo próprio e singular para relacionar-se com o objeto de conhecimento.
Neste contexto torna-se possível a saída da alienação professor-aluno pela entrada do terceiro que é, segundo Kupffer, a relação do professor com seu objeto de saber. Objeto que lhe responde sobre as duas questões de todo ser humano: sexualidade e morte. São questões que levam o docente a se implicar nesta relação fazendo com que o aluno fique como testemunha e assim despertando nele o interesse por aprender já que ele tem as mesmas questões. Em síntese o aluno aprende não na relação com o professor e si na relação com o objeto de saber do professor.
Após este percurso pensamos que de fato estamos no tempo de um novo paradigma mediante o qual passaríamos da Alienação para á Separação; da Adequação para a Diferença; da Certeza para a Incerteza; da Anulação do sujeito desejante para o Sujeito do desejo; da Homogeneidad

Kupffer , C. No Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional de 11 a14 de abril de 2003 em Salvador. BA se referiu à escola atravessada pela psicanálise dando o mesmo sentido que quando se fala da Escola de Samba atravessar o samba na passarela. (N da A)
In: Estilos da Clínica.. v. V. número 9. 20 semestre de 2000, p.81.
Em itálico no original
Tomamos como conceito de paradigma o da Lingüística Estrutural que o define como o conjunto de termos substituíveis entre si numa mesma posição da estrutura a que pertencem. In: HOUASSIS, 2001.
Aula do 07/07/ 04, Curso contribuições da Psicanálise para pensar a relação professor-aluno: A indisciplina, o fracasso escolar e a inclusão.
Aula do 07/04/04 no curso Contribuições da Psicanálise para pensar a relação professor-aluno: A Indisciplina, o Fracasso Escolar E A Inclusão.
Aula citada precedentemente.



MEU PERFIL

Pedagoga, com especialização em psicopedagogia, terminando mestrado em Psicanálise e Educação. Aposentada no cargo de professora, atualmente exercendo a função de coordenadora pedagógica no Instituto Educar e Crescer, em atividades votadas para a formação continuda, desde 1999, o trabalho concerne em coordenar, avaliar cursos aprovados pelo FNDE/MEC, em todos os estados do Brasil, nas modalidades: Educação Infantil, Básica, EJA e outros, tais como: Educação no Campo - Formação Continuada de Funcionários da Escola - Ações Educativas Complementares - Educação Especial - Correção de Fluxo Escolar- Cultura Afro-Brasileira, remanescentes de Quilombos - Inovações Educacionais e outros.